vi: Mais forte que bombas

Já me acostumei a chegar atrasada às sessões da WGA. Saio do estágio uma hora antes, pra atravessar 5,1 milhas de distância em transporte público e não dá tempo. Muito trânsito, ônibus que demora a passar, eu que às vezes entro numas roubadas tentando cortar caminho. Chego bufando, recebo aquele olhar julgador da voluntária idosa que controla a porta, procuro no escuro um assento vazio. Gosto de sentar no meio da sala mas as cadeiras são muito juntas e atravessar uma muralha de joelhos enquanto atrapalho a visão de todos atrás de mim, não me parece válida. Me conformo em sentar numa fileira de lado. Assistir a um pré-lançamento em Beverly Hills, dentro do teatro do Sindicato dos Roteiristas soa muito bem. Mas a verdade é que o glamour sempre encontra um jeito de escapar das nossas vidas, mesmo quando a gente mora na cidade dos sonhos.

Sentei sem saber muito do filme, e o que me deixou curiosíssima, já tinha gente da plateia chorando. Aterrisei no meio de uma cena do Gabriel Byrne, ele é viúvo de uma fotógrafa de guerra famosa. Um amigo avisa que vai escrever um grande artigo sobre ela no New York Times e que pra contar sua história verdadeira, precisa falar sobre a depressão que ela estava sofrendo nos últimos anos, que levou ao seu suicídio. O problema é que o filho mais novo não sabe que a mãe se matou, ele acha que ela  morreu num acidente de carro. Agora o pai tem apenas poucos dias pra abordar esse assunto difícil, sendo que a relação entre os dois é de um silêncio aterrador. Pra fazer uma ponte entre os dois abismos, chega o irmão mais velho, interpretado pelo Jesse Eisenberg.

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A partir daí a trama mergulha fundo dentro de cada personagem, através de flashbacks e sonhos, que revelam os olhares e sentimentos de cada um sobre a mesma mulher. O resultado é um retrato fragmentado de uma mulher complexa, real e cheia de contradições. Como fotógrafa, Isabelle viaja pra países em conflito, arriscando a própria vida pra reportar ao mundo, as coisas que ela vê. A fatalidade iminente de seu trabalho não a assusta, mas a vicia, o que pode ser ainda mais perigoso. Quando volta pra casa, morrendo de saudades dos filhos, não consegue lidar com o vazio da vida de dona de casa, dona de uma casa onde os homens aparentemente aprenderam a viver sem ela. O que ela parece não enxergar é que o espaço ocupado por ela era imenso, ultrapassava cuecas lavadas, jantares caseiros ou qualquer outra tarefa doméstica que ela não cumpria. Seu espaço não era à direita ou esquerda, em cima ou embaixo, era pervasivo.

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Ela é interpretada pela francesa Isabelle Rupert. Que é foda. A facilidade com que ela transita por todos os ângulos que a personagem exige é fascinante. Você sente que está diante de um ser humano real, com falhas, dúvidas, questionamentos, inseguranças, contradições, que em nenhum momento recebe um julgamento moral. E é fascinante porque você não sabe o que pode acontecer, qual segredo pode estar ainda escondido ali. Acho que quando se fala da falta de bons papeis femininos no cinema, é fácil (facílimo) apontar os erros. Mas esse filme é um dos raros exemplo de um caminho a seguir, com uma personagem madura e independente, que desperta amor, ressentimentos e perguntas.

Estreia no Brasil dia 7 de abril.