A aula das minas

Uma das melhores aulas que já fiz na vida tem um nomezinho bem engraçado: Neutralizing the Mathilda Effect – How Women Writers Can Forge Successful Writing Careers. Uma mistura de terapia, com auto-ajuda, com tapa na cara, com História. Não é uma aula para escrever, é para discutir o comportamento de quem quer ser uma escritora profissional.

O tal do Efeito Matilda é um termo sociológico que define a dificuldade que as mulheres em geral têm pra se dar crédito. Sabe quando alguém diz que você tá bonita e você diz: ai meu, é nada, tô mó gorda. Ou quando você tem medo de comemorar uma conquista porque aquilo pode ferir o ego do coleguinha? Ou quando você abandona um projeto criativo porque ele não tá perfeito? Então, esse tipo de comportamento te coloca lá pra trás na hora de vender seu trabalho. Talvez até mesmo na hora de criar.

O que eu mais gostei dessa aula é que desde o começo a professora deixou bem claro que a solução não é anular a sua feminilidade e se comportar como um homem. Ao contrário, é entender o jogo que já foi criado e no qual a gente automaticamente se insere, e se impor, sem perder nossa sensibilidade.

Outro conceito que eu nunca tinha ouvido falar mas que me soou familiar, foi o da “mente andrógina”. São pessoas que aceitam seu próprio gênero, mas são capazes de enxergar o ponto de vista de outro gênero. Uma mulher que consegue em certas situações, pensar como homem. Um homem que em certas situações, consegue pensar como mulher. Não tem a ver com ser gay ou hétero, ser cis ou trans. Tem a ver com comportamento, com ponto de vista, com a capacidade de se colocar no lugar do outro. Ser sensível e forte. Ser competitivo com delicadeza. Navegar pelo que não te é familiar. Somos criados pra não ter a mente andrógina porque senão você é bicha ou sapatão. Somos criados pra endurecer as regras, impor limites, pra ter um medo terrível de atravessar linhas tênues. E isso fode o mundo. Pela primeira vez em muito tempo senti uma certa esperança nessa questão da guerra dos sexos. A mente andrógina é o antídoto secreto.

Essa aula também me fez repensar muita coisa da minha vida. Meus relacionamentos, minhas escolhas profissionais, minha infância. Vi que tenho um medo imenso de competir. Em algumas áreas mais, em outras menos. Mas minha busca por conforto  vem daí e por muito tempo me oprimiu e me estagnou numa constante acomodação, preguiça, e lentidão. Medo de falhar, de não ser  perfeita, de ser muito diferente, medo do que vão dizer.  Tenho um Charlie Brown dentro de mim tentando chutar a bola de futebol americano, e caindo com a bunda no chão, toda vez. Mas olha, honestamente, eu tô tentando ser melhor. Honestamente.

Mais uma vez, meu review de uma aula virou um tratado filosófico sobre a vida. Não consigo mais explicar as coisas de maneira institucional. E poucas pessoas têm ideia do avanço que isso representa pra mim. A todos os outros, reitero: é um grande avanço. E aviso: há mais de onde este veio.

Fazendo os networkings

Desde que eu cheguei em Los Angeles todo mundo vive falando sobre a importância do networking. Tem que fazer networking, tem que conhecer pessoas, tem que se interessar, tem que tratar todo mundo bem porque o cara que recolhe seu prato no restaurante pode um dia virar o seu chefe nessa roda gigante maluca chamada Hollywood. Um saco. Já tenho uma tendência natural pra misantropia. Imagina ser OBRIGADA a interagir com as pessoas, Deus.

MAS EIS QUE fiz um network bonitinho? Orgulho de mim. Foi numa aula. O professor trouxe um guest speaker que é executivo da área de Development de uma produtora muito bacana chamada Bold Films. Eles fizeram Whiplash, Nightcrawler, Driver entre outros. Ele começou a explicar como funcionava uma produtora independente que está mais interessada em descobrir novos talentos, incentivar histórias inovadoras com pontos de vista originais, e não em produzir mais um episódio de uma trilogia gigolesca. E o mais legal, eles conseguem lucrar apostando nesses pequenos filmes.

What I look for are weird compelling stories. Eu quase NUNCA levanto a mãozinha pra fazer pergunta, mas essa frase me fez ser a primeirona nesse dia. Porque eu amo filmes com pegada estranha e é o gênero que eu quero escrever. Perguntei o que fazia ele apostar num determinado weird e não em outro, já que o que é estranho e original, é também mais arriscado. Daí ele falou uma coisa muito legal. Que não pode ser estranho apenas pra ser diferente. Tem que ter um apelo emocional com o qual as pessoas possam se identificar. Gostei muito que ele falou que o importante é a “emoção” e não focar nos assuntos do momento ou no package (que é quando o seu roteiro já tem um ator ou um diretor de sucesso atrelado ao projeto e aí fica mais fácil vender).

Tudo que ele falou fez tanto sentido pra mim que chegando em casa eu decidi que ia tentar trabalhar na Bold. Falei com meu professor, que falou com o guest speaker. Mandei meu currículo, fiz um teste, uma entrevista, e depois de uma espera cheia de ansiedade, descolei um estágio lá, pra ler roteiros e escrever análises (o famoso coverage).

Minha conclusão é que o network é uma grande janela que fica aberta apenas por um pequeno espaço de tempo. Você conhece alguém que numa determinada situação permite que você se aproxime. Se você achar que algo ali te interessou, tem minutos ou talvez algumas horas pra se mexer, antes de ser completamente esquecido. Por incrível que pareça, eu como aluna da UCLA naquela determinada aula daquele determinado dia, tive mais chance de conversar com o tal executivo do que os estagiários que já trabalham com ele (aliás, desde que eu comecei na Bold eu falei com ele umas duas vezes só). Mas se meu currículo não tivesse chegado lá pelas mãos dele provavelmente minhas chances não seriam as mesmas.

E também, acho que o que intimida um pouco é pensar que fazer network significa puxar o saco de pessoas escrotas. Mas acho que não, o network legal é quando você encontra alguém que está fazendo aquilo que é o seu sonho fazer. E se for o seu sonho, vocês vão ter alguma coisa em comum. Nem que seja a palavra weird. Weird com emotional core.

Tiveram mais dois casos de networking bem diferentes que eu quero contar! Mas fica pra um próximo post!

Sketch comedy

No quarter passado fiz uma aula de Sketch Comedy. Não que eu me ache engraçada. Na verdade, a minha dificuldade foi o que me levou a fazer essa aula, queria aprender ferramentas que me ajudassem a colocar humor nos meus textos. Meu humor é muito incidental, surge sem querer, e nem sempre nos momentos mais propícios.

Além disso, eu já tinha visto uma palestra com a professora Margaret Oberman e gostado muito do jeitão dela. Ela fez parte do staff de roteiristas do Saturday Night Live na época áurea (o casting tinha Eddie Murphy, James Belushi, Billy Crystal, Julia Louis Dreyfuss e tal). Além disso, a Margaret é uma FOFA com CAPSLOCK. Uma mamãe postiça que fez questão de conhecer os gostos, medos, preferências de cada um e trabalhou em cima disso o quarter todo.

O que aprendi?

A estrutura da sketch é a mais básica possível: encontre um personagem interessante, o coloque numa determinada situação e deixe ele guiar o resto. Por exemplo, a pessimista mórbida viajando pra Disney.

Sketch comedy sempre traz um comentário sobre a atualidade. Quem quer escrever sketch tem que acompanhar os debates políticos, ver os filmes, “ler jornal”, enfim, fazer parte das conversas.

A graça é instintiva. O som de uma palavra, a pronúncia de um nome, um movimento repetitivo… dá pra fazer sketchs sobre coisas ridiculamente simples. O personagem não precisa ter um arco, ele não precisa mudar, ele não precisa ter um crescimento psicológico, não tem atos, não tem plot point. Pra mim foi uma das coisas mais difíceis de entender, que o humor não precisa ser complexo.

Ser maldoso é fácil, mas nem sempre é engraçado.

Enfim, essa foi uma das aulas em que senti mais dificuldade. É complicado. Ao mesmo tempo em que a comédia te exige um conhecimento mais profundo da língua e da cultura americana, ela também precisa de ar, de respiro, de espontaneidade, de bobeira. Difícil esse equilíbrio. Escrevi algumas coisas boas, outras péssimas. Mas em nenhum momento senti um julgamento pesado dos colegas, ao contrário, o ambiente era muito incentivador.

Na real, foi só numa das últimas aulas que entendi um pouco o processo de escrever comédia. Não tive tempo de fazer a tarefa, desenvolvi a primeira ideia que me veio na cabeça, umas duas horas da aula. Acho que por isso, sinceramente, não tive tempo de estragar o roteiro com estruturas complicadas e significados complexos. Simplifiquei e deu certo. Fiz uma paródia do trailer do filme The Danish Girl. Por algum motivo, a palavra “danish” me soava engraçada, ela pode significar “dinamarquês” ou o nome de um doce que é bem popular por aqui. A sketch se baseou nesse trocadilho. O som de 10 pessoas chorando de rir é delicioso, contagiante, libertador.

Se quiser ler o roteiro CLIQUE AQUI. Comentem o que acharam, mesmo que não tenham gostado. Feedback me ajuda.

E o trailer:

Por que você escreve?

Por quê, Andrea?

Pra ser rica? Não, fala sério.

Pra ir no Jô Soares? Não, olha o que ele fez com a Jout Jout.

Pra trabalhar com o que gosta? Não, eu não gosto de escrever.

Mas é só isso que você faz.

Não gosto de escrever, eu tenho que escrever. Porque eu só sei falar assim. E nem assim, às vezes, eu sei. Eu escrevo pra você me entender.  O meu problema é o leitor, o espectador. O meu problema é você.

Eu? Mas eu não fiz nada!

Exatamente. Você não fez nada. Você leu e disse, ah que bonitinho. E eu só te pedi pra chorar. Eu quero que você leia o que eu escrevi e chore. Tenha uma convulsão interna. Quero construir os fragmentos do seu inconsciente. Quero ser um importúnio. Quero que você sofra ou melhor, quero te lembrar que o sofrimento existe e que você não tem dado muita bola pra ele.

Agora mesmo, estou reescrevendo meu roteiro. Minha maior preocupação é fazer você se emocionar. Mas eu não consigo, não sai. É como ter vontade de chorar e não conseguir chorar. É um acúmulo oco no peito que não é oco de verdade, mas também é intangível, invisível, impossível. Um oco denso feito um buraco negro, que aspira tudo a sua volta e me deixa sem nada.

Nos cantos escuros dos meus sonhos, já vi Verônica me olhando. É a personagem principal do meu roteiro. Ela está viva em algum lugar me olhando feio. Ela me cobra explicações. Eu digo, não sei Verônica, não sei ainda. Como eu vou explicar Verônica? É uma louca. Isso você já entendeu. Mas é também a loucura de todos nós. Isso eu não sei como falar. Não sei como fazer você se sentir parte dessa insanidade.

Mas sigo almejando essas estripulias. Quero jogar uma torta na sua cara. Rasgar seu sorriso como um Coringa de grafite. Te embaralhar. Te esquecer. E quando você estiver à beira do precipício, quero te pegar no colo. Tirar seu cabelo do rosto. Dizer que está tudo bem. Porque está tudo bem.

A gente acorda e foi só um filme.

Lutando a Guerra da Arte

Descobri A Guerra da Arte. Um livrinho pequeno, com capítulos de uma ou duas páginas. Não confundir com A Arte da Guerra. Não confundir com auto-ajuda. Não é auto-ajuda, é um artefato de fé. Talvez seja uma Bíblia pros escritores. Talvez esse livro devesse ser colocados nas gavetas dos quartos de hoteis. Talvez a gente devesse colocar a mão em cima dele cada vez que fizer um juramento.

Você já se perguntou por que nunca consegue terminar seus projetos pessoais? Culpou o trabalho, a casa, o trânsito, a família, o namorado, a vida, a falta de tempo?  Se sentiu um ser dotado apenas de preguiça, ignorância e futilidade? Steven Pressfield, o autor do livro, atribui isso tudo a uma coisa chamada Resistência. “Resistência vem de dentro. É auto-gerada e auto-perpetuada. Resistência é o inimigo interno.”

No prefácio, Robert Mc Kee (provavelmente o mais célebre instrutor de roteiristas do mundo) diz que esse livro foi escrito pra ele, o maior procrastinador da história. Ele conta que num dia de bloqueio criativo, tirou todas as roupas do armário e experimentou uma a uma, pra separar as que queria manter, jogar fora ou consertar. Ele ficou nessa por dois dias. Quando a gente tem medo de falhar, procrastina. É um mecanismo de defesa, cuidar de uma outra tarefa mais fácil, pra evitar a tarefa que nos intimida. Assim como o perfeccionismo.

O problema pra mim, é que a gente pode passar muito mais do que dois dias nessa vibe, podemos passar a vida toda nos debatendo em questões pequenas enquanto deixamos de lado o que nos apavora. E lógico, justamente o que nos apavora é aquilo que mais queremos realizar.

A solução é a mais simples possível: trabalhe. Deixe as desculpas de lado, sente a bunda na cadeira e trabalhe. A criatividade é uma coisa louca, uma vez que você devota seu tempo a ela, as respostas mais cedo ou mais tarde, aparecem. Quantas vezes esse ano, comecei a escrever sem ter noção nenhuma de como terminaria aquela cena ou faria ela ficar mais interessante e do nada, algo surgia.

Pressfield diz também que o trabalho criativo não é um ato egoísta ou um jeito de chamar atenção. É um dom, um presente para o mundo e para cada ser que nele vive. E que não devemos nos abster de dar nossa contribuição.

Então é isso, give us what you’ve got.

E leia A Guerra da Arte.

Found in translation: Cringe Moment

“Write for 5 minutes about a moment that still makes you cringe” – said Leon, the teacher. 

What does “cringe” means? – I asked.

“A moment that still makes you have a strong reaction when you remember it, no matter how long it has been.”

I hate this writing exercises on class when we have to write whatever comes to our mind. Five minutes is not time enough for me to process my Brazilian feelings and put them into the paper with a decent English. I use Google Translator and Grammarly simultaneously, as I race to choose a moment, write it down, remember the proper words, and even try to structure a storyline. But no software can recreate the trusting relationship I have with my Portuguese words. My longest serious relationship is the one that I developed with my native language, for sure. And here I am, cheating on it.

I chose a moment. I regretted. I thought it was too bitter. I had no time to regret. I wrote it anyway. This is my Cringe Moment:

I was with my father at the hospital. The resident doctor was an asshole. When my father failed to answer a simple question, the doctor asked me if he had mental problems, not aware that people sometimes arrive at hospitals out of their minds. He kept saying how it was hard to work there because he didn’t have the right material to stitch my dad’s cut. I started to cry, and a tall and old nurse tried to hug me. He was the only nice person I’ve met there. And I yelled at him, so loud. I pushed him away with rage. I waited for a bad reaction from the nurse. Nothing. He just respected my pain and went away from me, never losing his temper, noble as a king.

I read it once. Twice. At the third time, I wasn’t looking for spelling mistakes anymore. I felt like a giant hand was holding my heart and crushing it. That moment had happened years ago, I had almost forgotten that story. But there it was, back again, making me cringe. That’s what cringe is.

After that exercise, Leon asked us to choose a word to define that moment. I chose “UNFAIR”.

Then he told us to write something for 5 minutes again, featuring the character we are working on and the chosen word. He asked us to use a Sproposito style, which means something like “nonsense speech” or as he explained: “when the emotion is bigger than the words.” So I put together Veronica, this character I’m developing for a feature film script, with the word UNFAIR. This came up: 

i know you may never forgive me, because i may never forgive myself. i was convinced i shouldn’t forgive someone as bad as me but you know what? i might try that, someday. because i’m only human. i know nothing. i’m nothing. but for some reason, i exist. i exist here to be a good bad ugly lonely beautiful selfish sad funny delightful sarcastic kind passionate person. full of anger. full of love. full of everything, a loudly pulsing heart. i do not know how to be better. but i hope someday i will. and i hope you’ll see that. not because i want you back but because i need you to understand it was never my intention to hurt you. i just didn’t know how to be better. you gave me this ring as a promise. and I kidnaped it because i never really believed in that promise. and now i’m giving it back to you. just because i want to be free. when i think about what happened… i just wanna die. we were so unfair to ourselves. we thought we would never be able to raise another human being. just the fact that we had one inside me was an astonishment. i though i was an unfertile soil. and i don’t know why but i wasn’t. i am not. i am only human.

I don’t know what triggered the process: the short time, the heartache or just a really amazing method. Something happened though. I had mixed everything: a story that happened when I was 17-year-old, a character I have been developing for quite some time, things I heard and felt in the past weeks. It all came together easily, and probably it doesn’t make any sense to you. But for me it was a huge step in finding a way to write from inside out.

I witnessed the birth of a completely new idea, a plot I have never ever imagined before. It’s a final conversation between the main character, Veronica and Rick, her ex-husband. At the beginning of the script, she refuses to return the wedding ring after their breakup. Nobody knows why they broke up. Well, I didn’t know. My goal was to have everybody assuming it was her fault, that she cheated on him or something like that. Rick was going to disappear because it’s not a romantic story. But now, I guess at least there’s gonna be an explanation for the end of their relationship, one that is unexpected and heartbreaking.

Well, if you are curious to know what the Writing from Below the Neck class is about, I guess that’s the best way I can tell you.

It’s a class where the characters who live in your mind become real people.

This is the profile of one of the best teachers I ever had, Leon Martell